MOVIMENTO ACÇÃO ÉTICA
O MAE entende que não há remédios técnicos para males éticos.

L’Espoir 

Victor Machado Gil

3 de Abril de 2025 

Muitas das notícias que nos chegam diariamente facilmente nos conduziriam à desesperança: do planeta, com as crescentes alterações climáticas e as suas nefastas consequências; da geopolítica global, com cenários preocupantes de reordenamentos baseados na força bruta; da Europa, ainda à procura de rumo, de identidade e de voz; e do próprio país, em sucessivas crises, tropeçando nos seus próprios pés. Não são tempos fáceis, a ponto de, muitas vezes, ser difícil distinguir entre optimismo e ingenuidade.

De educação cristã, recebemos uma certa visão escatológica da esperança, que conforta e inspira, mas que pode igualmente servir de esteio a alguma indolência resignada. De várias correntes do pensamento ocidental, as ideias de crescimento e progresso contínuos foram- se enraizando no nosso modo de estar e, talvez, até no nosso ser. Em contraponto — ou em complemento — a paz de espírito, a mansidão e a paciência são valores claramente cristãos, mas também fortemente presentes em culturas orientais. No mundo em que vivemos, na instabilidade que vamos sofrendo, com conflitos armados que já atingem as fronteiras da Europa, como conciliar estes valores — fundacionais da nossa civilização — com a resiliência, a inquietação criativa e o estabelecimento de pontes voltadas para um futuro de maior bem-estar e felicidade? Como, então, pensar a esperança?

Nesta reflexão, veio-me à memória o livro de André Malraux que dá título a este texto, onde o autor — ele próprio combatente na Guerra Civil de Espanha — retrata combates não apenas com armas, mas sobretudo com valores e convicções, na dignidade de resistir, na luta entre os ideais humanistas e a barbárie. A sua frase “O que conta não é o que se é, mas o que se faz” fundamenta o compromisso ético da acção como pilar da dignidade humana.

Malraux foi um homem de esquerda, que combateu ao lado da República espanhola, com tudo o que ela representou — também de horror —, na mesma ordem de grandeza que o horror do adversário. Mas a reflexão que nos oferece, nesse tempo de caos, com a argúcia e profundidade que lhe são características, tem uma atualidade imensa perante as dificuldades que se avizinham. E recentra a questão da esperança em tempos de desesperança.

Pensando bem, ao longo de quase cinco décadas de exercício da medicina, é frequentemente esperança aquilo que os doentes procuram quando nos procuram — e é esperança que sempre tentamos oferecer, desde as coisas simples às mais complexas, onde a esperança se traduz mesmo em mais vida e melhor vida. De facto, os médicos são, por natureza, profissionais da esperança, nesta intimidade cúmplice de tratar e cuidar do próximo. Também por isso, dói que tantas vezes se fale apenas das raríssimas distrações e negligências, das disfunções do sistema, da reinvenção permanente do modelo, esquecendo o essencial. Confrontados com o sofrimento humano, tentamos aliviá-lo com todos os meios que possuímos e que continuamente aperfeiçoamos, mas sempre no profundo respeito pela dignidade de quem carrega o sofrimento como parte, afinal, da própria existência humana.

Mesmo onde a realidade parece sem esperança, somos ainda capazes — como acontece nos cuidados paliativos — de criar projectos de vida em doentes terminais, de dar sentido à vida nos dias que são os últimos.

Os últimos Papas têm feito belas reflexões sobre a esperança. No Diálogo com os Homens, São João Paulo II descrevia a esperança “como um valor que queremos dar à nossa vida. Esta percepção do sentido da vida não depende essencialmente daquilo que temos, mas da clara tomada de consciência da nossa humanidade, da nossa dignidade humana.” Esta “esperança motivada”, de que também fala, é para o cristão vivida na fé e no anúncio divino, mas, na sua essência, não está tão distante assim de Malraux e da fé na condição humana.

Para além da visão escatológica, a esperança pode — e deve — ser uma realidade vivida em cada dia, por cada um de nós que constituímos a comunidade. Escrevia Bento XVI (Communio, Ano II, 1985/5): “À esperança pertence, por um lado, a dinâmica do provisório, a ultrapassagem de todas as realizações empíricas; mas significa também, por outro lado, que, pela esperança, o que ainda não existe ilumina já a nossa vida: só uma certa espécie de presente pode fundamentar a confiança absoluta que é a esperança.”

O Papa Francisco, por seu turno, tem feito da esperança uma das marcas centrais do seu pontificado — ao ponto de esse ser o tema central do Jubileu de 2025. Propõe uma esperança activa e transformadora, que nos compromete com a construção do bem comum.

Diz Francisco: “A esperança não é fugir da realidade nem refúgio do mundo. A esperança é força para lutar e construir.” (Homilia, 1.º Domingo do Advento, 2013).

Na encíclica Laudato Si’, afirma: “A humanidade ainda possui a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum.”

E na luminosa encíclica Fratelli Tutti, desafia-nos ao afirmar: “A esperança ousa saber que tudo pode ser diferente.”

Em tempos propícios à desesperança, não podemos ser meros espectadores de um teatro de acontecimentos. De cada um de nós tem de emanar uma esperança transformadora — que passe da lamúria e do criticismo à construção de uma esperança maior para todos. Nós, médicos, sabemos bem disso, porque em cada dia tentamos construir esperança — mesmo quando a morte espreita.

Artigo publicado no Observador a 16 de março de 2025